Entrevista Lenira Alcure: ‘Para fazer jornalismo é preciso ter seriedade com seus públicos’

Como outras áreas de produção de notícias, o telejornalismo tem sofrido muitas mudanças graças às novas tecnologias de informação e comunicação. Nos últimos anos, os telespectadores também ganharam um novo papel de produtor de informação e colaborador dos grandes veículos. Ao mesmo tempo, o mercado tem exigido jovens jornalistas cada vez mais preparados para o dia a dia das notícias para TV.

Em entrevista ao Nós da Comunicação, a professora de telejornalismo da PUC-Rio, Lenira Alcure, comentou, entre outros assuntos, essas mudanças e as diferenças entre o telejornalismo brasileiro e o praticado em outros países. “Temos a tendência de nos aproximarmos do modelo de notícia norte-americano. Já o público britânico demanda um ritmo mais pausado e reflexivo”.

A ex-editora internacional da TV Manchete, que também já trabalhou na TVE lançou o livro ‘Telejornalismo em 12 lições’ (Editora Senac e PUC Rio, 2011), um guia prático para iniciantes. Para Lenira, os estudantes estão esquecendo a teoria. “Eles têm dificuldade em se deter com mais profundidade nesses conteúdos”, critica.

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Nós da Comunicação – Por que você escolheu escrever um livro sobre telejornalismo, e em formato de manual, para jovens que estão ingressando na faculdade?
Lenira Alcure –
O livro nasceu da necessidade de apresentar esse conteúdo de forma mais didática nas aulas de Telejornalismo, na PUC-Rio, que eu ministro no quinto período do curso de Comunicação Social. De uns tempos para cá, tenho notado que os alunos chegam muito crus. Eu perdia muito tempo explicando os tópicos básicos e resolvi otimizar as aulas para que os alunos se dedicassem mais aos exercícios práticos.

Nós da Comunicação – Quais as maiores dificuldades que esses jovens costumam apresentar?
Lenira Alcure –
A maioria tem facilidade para editar vídeos. Entretanto, vejo lacunas em relação ao conteúdo teórico. Têm dificuldade em se deter com mais profundidade nesses conteúdos. A imprecisão é um dos grandes problemas, inclusive na escolha das palavras. Outro dia, escreveram algo como: “Fulano tinha milhares de funções”. Isso não pode. Jornalismo é coisa séria.

É preciso ter o controle da técnica. Sempre digo aos meus alunos que Picasso começou desenhando ‘certinho’ com cores e desenhos figurativos. Depois ficou conhecido e partiu para criações cubistas e inusitadas. Em qualquer arte, a pessoa precisa aprender seus fundamentos. Atualmente, as ferramentas são de fácil acesso e isso faz com que muitos achem que a técnica perdeu a importância. O excesso de informação leva à dificuldade de atenção. Falta concentração e foco.

Nós da Comunicação – Apesar da competição acirrada em um mercado tão restrito, o telejornalismo é o caminho mais sonhado por muitos estudantes de jornalismo. Como você explica essa fascinação pela TV?
Lenira Alcure –
Muitos querem ser apresentadores de telejornal, outros já são mais tímidos. Já alguns têm aquela vontade de querer aparecer. É normal do ser humano, não reprovo isso desde que faça bem feito. Da mesma forma, há pessoas que seguem a carreira teatral. Em termos de mercado, quem aparece no vídeo, normalmente ganha mais.

Existe também o fascínio de apresentar suas histórias na televisão. E o fato de ver o resultado rapidamente, é muito prazeroso. A produção de um livro, por exemplo, é um processo mais longo em que você não tem esse timing.

Nós da Comunicação – Além de dominar as técnicas do ofício, quais outras qualidades o telejornalista deve ter para exercer a profissão?
Lenira Alcure –
De preferência não ser monoglota. Eles precisam saber pelo menos a língua inglesa para acompanhar os noticiários internacionais. Mesmo que o estudante queira se especializar em política econômica brasileira, é fundamental essa visão ampla.

É preciso ter uma base cultural geral, com conhecimentos da História do Brasil e do mundo. Sinto que as faculdades abandonaram essas matérias de artes e literatura. Conceitos de economia também são essenciais. Não precisa virar um economista, mas é necessário ter os conhecimentos básicos e acompanhar o noticiário de política internacional.

Embora na televisão sejam usadas palavras mais corriqueiras, os jornalistas devem ter um amplo vocabulário. Os alunos ficam mais no campo da linguagem simples, mas é o domínio do idioma que vai possibilitar a construção de estruturas mais complexas. Os universitários têm de saber distinguir a informação de valor que pode virar notícia.

Nós da Comunicação – Como você avalia o fato de que qualquer pessoa com um smartphone à mão envia com facilidade vídeos e notícias para as redações de jornais? A corrida pela audiência e o furo podem levar a uma falta de apuração devida da informação?
Lenira Alcure –
Acho essa facilidade maravilhosa. Inclusive porque muitos sem formação acadêmica têm a possibilidade de se comunicar. E com certeza, eles têm o que comunicar. Se você realiza uma atividade de jornalismo, seja na web ou nos meios tradicionais, é preciso seriedade e responsabilidade com seus públicos. Infelizmente, há alguns casos de imprecisão. Mas como a concorrência no mercado de comunicação é muito grande, há sempre alguém para denunciar as irregularidades.

Nós da Comunicação – O imediatismo das novas tecnologias alterou a forma de produzirmos notícia. Muitas vezes as redes sociais são fontes e meios para furos de reportagem. Como você vê a área de telejornalismo desse ponto de vista?
Lenira Alcure –
Temos algumas emissoras com mais recursos e outras com menos; algumas têm uma linha editorial mais sensacionalista, outras mais conservadoras. Acho o telejornalismo no Brasil muito bom, apesar de algumas falhas das empresas de comunicação.

Em relação à produção de conteúdo imediata, hoje, as notícias transmitidas no horário nobre à noite, na maioria das vezes não trazem muitas novidades em relação aos fatos. A pessoa já viu na internet ou mesmo no jornal da tarde. É quase como um resumo dos acontecimentos.

Tanto sites quanto jornais atualizam seus conteúdos diariamente. Isso exige um intenso trabalho e deveria ser exercido por um número muito maior de pessoas do que o sistema empresarial poder pagar. Houve aumento das vagas no mercado ao longo das últimas décadas, mas não o suficiente. Vivemos em um mundo extremamente veloz. É um grande desafio para as empresas da área conseguir, com um número razoavelmente pequeno de profissionais, atualizar e gerenciar esses conteúdos.

Nós da Comunicação – Mesmo em uma sociedade globalizada, você apontaria diferenças nas linguagens dos noticiários internacionais? Quais são essas peculiaridades?
Lenira Alcure –
Nós que gostamos muito de velocidade, temos um timing diferente do noticiário europeu. Os jornais televisivos na Europa mudaram nos últimos anos, mas, durante muito tempo, foram mais formais e com um ritmo mais lento em comparação produções de outras regiões.

Temos a tendência de nos aproximarmos mais do modelo de notícia dos Estados Unidos. Tudo tem dois lados. Com esse ritmo acelerado, é possível sustentar o interesse, mas, com o tempo, acaba deixando o espectador desconcentrado. O nível de absorção é pequeno. Podemos pegar o caso da BBC. A emissora pública britânica tem o ritmo mais pausado, com matérias de maior duração etc. O público inglês demanda esse formato, não quer superficialidades. No caso da morte do ex-líder líbio Muamar Kadafi, por exemplo, provavelmente eles ficarão ainda vários dias analisando as questões referentes ao caso.

Publicado em: http://www.nosdacomunicacao.com.br/panorama_interna.asp?panorama=423&tipo=E

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